Palavra Encantada: Amor Linguagem Estranha

Escrito em 27 de Julho de 2020

Palavra Encantada: Amor Linguagem Estranha

Olá, cúmplices da escrita!


   O que é que leva um escritor a escrever um romance? Num primeiro instinto, a mera ideia de gostar do tema, intemporal, que é o amor, poderia ser uma resposta óbvia. Contudo, eu tenho a opinião que a resposta é muito mais profunda e complexa.


   Decidi explorar este tema para analisar a profundeza da escrita de um romance e, sucintamente, revelar a natureza exótica desta linguagem, desta emoção crua e intensa, caracterizada por muitos, como estranha. Talvez, relembrar-vos, e a mim, do que é que está em jogo neste universo paradoxalmente simples e complexo. Mudança. Conhecimento. Terror e beleza. Os companheiros, vida e morte. Os momentos em que nós, e as nossas personagens, deixam de racionalizar, para apenas encontrar a sua essência. Os momentos em que simplesmente, somos. É um momento em que nos transportamos para um estado elementar, hormonal, místico e mágico do universo romântico, sexual, de amor e companheirismo. A preparação de personagens repletas de profundidade e dimensão, tornando-as presentes, inteiras, substanciais e surpreendentes, enquanto escrevemos.


Se gostas de escrever romances, ou estás a pensar arriscar neste género literário, desafio-te a responder a estas questões:

  • Porque será que tens dificuldade em escrever sobre amor? (Se não sentes qualquer dificuldade, é uma resposta inteiramente legítima.)
  • O que é que detestas no amor? Ou o que é que a tua personagem detesta a respeito deste tema?
  • Qual a parte do mundo exterior que nunca está presente nas cenas amorosas que se manifestam na tua mente?
  • Qual a parte do mundo exterior que está sempre presente nas cenas amorosas que se manifestam na tua mente?
  • Qual a característica, ou conjunto de características, que tu, ou as tuas personagens, mais amam quando o tema é amor?
  • Qual o motivo que te leva a necessitar, ou simplesmente, a querer escrever sobre amor?
  • O que é que mais te perturba quando se fala de amor (seja a título pessoal, real ou imaginário)?

   Independentemente da tua resposta ser pessoal, ou referente a uma personagem, estas questões são um excelente exercício de auto-descoberta. Não penses demasiado. Escreve instintivamente. Aprecia. Seja fácil ou difícil, leviano ou sério, um pequeno conto ou um romance a querer nascer, ousa responder. A tua história, a tua linguagem, as tuas personagens, começarão, gradualmente, a ser cada vez mais reais.

Quando se trata de uma personagem apaixonada, os comportamentos expandem-se, e a expressão (ou desinibição) das emoções intensifica-se.


   O estado de “estar apaixonado” tem enumeras variantes na escrita de um romance. Pode ser bom ou mau. Saudável ou nada funcional. Duas personagens podem estar perdidamente apaixonadas, ou a personagem A pode não estar, enquanto que a personagem B poderá estar convicta, talvez face aos seus próprios desejos mais íntimos, ou, quem sabe, derivado a uma manipulação por parte da personagem A, que este amor é real e eterno. Porém, “estar apaixonado”, implica, em muitas perspetivas, ser levado além do comportamento habitual. Lógica? Quem precisa de lógica?! Tempo? Não é, seguramente, linear no universo do amor. Amor extremo e romântico não aparenta residir num domínio terrestre e linear. Há quem o analise como sendo uma forma de possessão. Existente apenas num reino mágico. E, para muitos, é continuamente associado a um grau de insanidade.


   Quando nos referimos a amor sexual – no contexto real e palpável – recai, maioritariamente, no corpo físico do amante, ou em locais físicos, onde o amante já esteve presente. Algo que, na verdade, altera completamente a narrativa, ou a voz da personagem. O “sítio” que dá lugar às vozes, afeta as vozes e como se expressam, como contam a sua história.


   Ainda que este domínio – de amor – seja mágico e terrível, paradisíaco ou obscuro, é um aspeto da vida que nos inteira com o sentimento de que estivemos aqui. Vivemos. Poucos são aqueles que se entregaram ao amor e que, mesmo por um breve momento, não tenham feito algo que racionalmente, ou eticamente, não fariam por escolha. A possibilidade das ações da personagem, e a amplitude da sua vida emocional, expande neste domínio. Por vezes, a personagem chega a um ponto onde nada a consegue parar, independentemente das consequências. A capacidade de transportar a personagem (ou a escrita da tua própria experiência) até ao momento em que não há uma célula do seu corpo capaz de se controlar ou impedir, poderá igualmente agregar toda uma bagagem e julgamento. Mas também sugere algo desta força poderosa, enraizada em cada ser humano, que tantas vezes reprimimos, apenas para parecer mais educados, racionais, éticos ou calmos. É, neste sentido, uma jornada incrível, desde o descobrir mais a respeito da personagem, até à exploração de muitos outros aspetos da sua vida. Ilumina-nos mais do que inicialmente achávamos possível.

Ao observar não apenas a personagem, mas também o enredo, torna-se possível ver o movimento da própria história e a sua combustibilidade. A tua personagem pode não precisar de entrar no submundo para encontrar o seu amor verdadeiro, mas tomar a consciência se ela entraria, é um conhecimento enorme para te ajudar a compreender, e a conhecer a personagem de uma forma muito mais profunda.


Tal como quando falei de veracidade microscópica noutro post, à medida que aprendemos a analisar de uma forma mais atenta e real, conseguimos, em simultâneo, melhorar a qualidade da nossa escrita. Ir mais além. Não focar no óbvio. A realidade, raramente, é óbvia. Portanto sim, por vezes escrever sobre amor, pode invocar um sentimento de linguagem estranha, mas à medida que nos permitimos entregar à realidade envolvente, conhecendo, de verdade, a personagem em questão, ou no caso de estar a escrever uma experiência pessoal, o cenário em questão, a estranheza dissipa-se, dando lugar a uma visão perfeitamente clara e iluminada.

Com isto despeço-me, uma vez mais, desejando-vos imensa inspiração.

Boa escrita e até breve!
Xo, Susana